terça-feira, 7 de dezembro de 2010

$ ◊ a

"é uma fantasia que se fixa à cadeia de significantes, acarretando a repetição em série. Essa, é, por execelência, inconsciente, e por isso, o Eu não tem a ela acesso. O que causa um absoluto sofrimento ao sujeito, e claro, também produz um gozo. Tal fantasia refere-se a um desejo primário incestuoso, interditado pela Cultura " (SANTIAGO, 2008).





segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Anna e seus labirintos

Já era tarde e apenas um feixe de luz atravessava o quarto.
Iluminava os olhos cor de 'folha seca' de Anna.
Daquele ângulo podia se ver o fundo dos olhos dela...
Fitados e estáticos miravam o teto.
A confusão daquele olhar era tamanha que ocasionava a impossibilidade de se saber, à penumbra, se nele havia tristeza, tédio ou ódio.

Já havia se passado mais de 1/4 de século,
já havia se passado mais de uma década de argumentos positivistas e iluministas,
já haviam se passado anos de textos mal escritos que mais revelam o quão evasiva era sua natureza humana.

Já havia se passado mais de 1/4 de século,
já havia se passado mais de uma década de amantes e amadas,
já haviam se passado anos de palavras mal-ditas e maledicências que mostravam o quão vazia era a sua condição humana.

Naquele dia havia lido as cartas que recebeu de seus inúmeros amantes... ficou rememorando o sentido daquelas palavras, daquelas juras de amor ou paixão que constituíam alguns ilustres e únicos momentos guardados com afeto e ternura nas gavetas de sua memória. Recordava sumariamente das que havia respondido, mas as sem-respostas atormentavam-na numa lúcida recordação.
Paradoxalmente recordava daquilo que não tinha palavras... a angústia da falta de símbolos era tamanha que rabiscou alguns remetentes, para ignorá-los e fazer com que não mais existissem em sua vida.

"Poderia tê-las respondido com um papel em branco dentro de um belo envelope" - pensou - " não poderia ter representação mais sincera para demonstrar o que sou." Riu. Riu para não chorar da própria tragédia, que ao longo daqueles anos havia se transfigurado em uma comédia negra.

Anna sentia uma espécie de medo às avessas... medo de ter medo, e não se permitia ter medo de nada. Àqueles que lhe interessavam oferecia seu acalanto sexual. Esse afago genital velava nada mais que sua incapacidade de relacionar com o sujeito de um desejo, de uma falta; mas também  o perverso discurso de objetalização e obsolescência planejada para com um outro corpo.  

Aos quatorze anos começou sua caçada implacável por corações e sonhos humanos. Um, dois, três,... dez, ..., cem (...). Parecia ter uma frieza calculista, e assim muitos a nomeiam até hoje. 
Àqueles que lhe ofereciam taças de vinho, ela compensava com beijos roxos. Àqueles que lhe ofereciam o silêncio, ela reverberava a paixão.

Foram muitas cartas sem resposta, muitos telefonemas perdidos, muitas flores murchas, muitas noites nubiciais, muitas juras de amor, muitas juras de casamentos. Anna não conseguia ter tempo pra'quilo tudo, afinal suas buscas não podiam cessar. 
E para amenizar o estrago em vidas alheias, pois sua má fama já se alastrava entre os bordéis, avisava, de antemão, às suas incursões amorosas que numa bela manhã de domingo, sairia para mais uma caçada e dificilmente retornaria àquele colchão.

Em escassos momentos os sonhos, os ofícios e o savoir faire dela se aglutinaram com os de outrem. Foram raros os instantes de retroalimentação simbiótica entre seu corpo e outra presença. 
E eram essas preciosidades que seus olhos recordavam sob aquele feixe de luz... 
Anna sentiu-se sozinha.
Uma lágrima escorreu, por fim.

Em meio àqueles devaneios, vislumbrou algumas probabilidades: não respondeu as cartas, pois os remetentes eram apenas aqueles corpos-presenças que lhe retroliamentavam (afinal eles não podiam ser tão importantes a ponto de obterem sua escrita). não respondeu as cartas, pois precisava sair para sua próxima caçada (antes que o outro corpo-presença resolvesse sair). 
não respondeu as cartas, pois não poderia perder aquele corpo-presença, e muito menos ter medo de perdê-lo.

No caminho esburacado e obscuro do medo de perder, Anna se perdeu.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

sobre o sentido da ordem das palavras ou dos amaranhados simbólicos

escrevo como falo. pelos cotovelos.
pro vento. apenas pra escutar meu próprio eco.
e claro, para deliciar-me do oco que me habita.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre Orlando

Um fúnebre alívio, um longo suspiro e um vivaz prazer ao reiterar que Orlando não passa apenas da mais longa e elaborada carta de amor da história da literatura.
                  
Um visto de passagem para as (im)possibilidades do Outro sexo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

à Professora Fraulein

"Querida Anna,

É com um prazer inenarrável que lhe escrevo. Achei que jamais chegaríamos a esse ponto, mas as voltas do mundo são grandes...  
Depois de tantos emails sem resposta, cartas sem destinatário, gritos urrados ao vento, cujas respostas eram apenas meu próprio eco... garrafas com pedidos de socorro lançadas ao mar e uma imensidão de palavras mal-ditas que encaminhei à sua casa num contêiner; reapareço através dessas palavras.
Já era de se esperar... que você sumiria... você sempre me avisou que quando eu mais precisasse de você, você já teria feito a sua partida - sem volta.
Ainda não sei o motivo desses escritos... mas ao longo dessas frases descobriremos a causa do meu contentamento em lhe escrever.
Foram muitos anos de sofrimento em busca de algo novo que alimentasse o sentido de minha vida, encontrei em nosso amor a única forma de me sustentar erigida a beira do abismo que se faz presente em meus pés. Todos esses anos nutri uma paixão absurda por você adornada de erotismos imaginários e lençóis vermelhos de motéis baratos. Mesmo que não fosse correspondida, o meu sentir foi suficiente e o bastante para revirar a adolescente que me habitava e transformá-la na mulher que hoje sou.

não sei se você soube, mas minha avó faleceu esse ano. ela me ensinou muitas coisas, desprendidas de falso moralismo ou hipocrisia, e dentre elas lembro-me de uma ocasião bastante peculiar em que estava levando-a pra casa. um casal atravessou a rua bastante devagar, sem notar que o sinal havia aberto. eu buzinei ofegante e em doce entonação minha avó disse:

- Minha neta, você não está vendo ali um casal de namorados!? Pois é, eles estão apaixonados e por isto estão em outro mundo, não estão percebendo as coisas em volta deles. Quando você estiver dirigindo e ver um casal, você tem que respeitá-los, ter paciência com eles e não assustá-los. Um casal apaixonado, mesmo que numa multidão é algo tão admirável que é impossível de não ser notado. Você não tem que apressá-los, pois o amor deles um pelo outro é única pressa que há.  



sinto falta de minha avó. mas não mais sinto sua falta. agora a minha falta já me basta. 


Você me fez vislumbrar na concretude que o amor é o único viés que dá sentido à vida. e o amor existe por si só, 'amar é verbo intransitivo' (salve Mestre Mario de Andrade) e não precisa de complemento simbólico ou muletas egóicas. amar é imaginar, imaginar um outro ser que completa a nossa falta, e por isso te imaginei todos estes anos ao meu lado. 

amar é deixar o tempo levar... como deixei o tempo me lavar daquele sofrimento. amar é permitir... permitir que se vá...

e mesmo que na marra eu aprendi isso tudo, graças a você, Anna.


Agradeço-lhe enfim.

Sempre sua (de alguma forma),

S. "

terça-feira, 2 de novembro de 2010

South Hemisphere


When She was a Child She'd  like to be a Rock Star.
When She was a Teen She'd like to save World.
When She was Young She'd like to be Rich.

And Now, even she ain't got anything of those, she might be walking to happyness...
'cause now she Just Wanna Live On a Living Geyser.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

El Juguete de YoYo

Recriar um amor guardado no tempo,
reescrever aquela carta que não mandei.
Desenhar um poema de perdão.

Postá-los numa garrafa como um grito de socorro no Oceano.

Inventar e fantasiar a eternidade do que nunca foi verdade.
Chorar a morte de um amor que inventei para entreter o Outro.

Assim que a porta bater, retornarei a escrever.
vou sonhar... engendrar pesadelos.

Significar e ReSignificar os despedaçamento das lacunas vazias.

Jogar então, o jogo do Olhar.

Prescrever as dívidas que me devem, pois são pobres demais.
Pobres de alma.
Mas talvez cobrar com juros, os juramentos que me roubaram na adolescência.


Pró-criar o que há de mais evasivo nessa casa.
Parir um congelamento de lágrimas e imagens.

E ao amanhecer irei ao banco.
sacar tudo que há de minha fúnebre herança.
e talvez com alguma esperança,

Eu me liberte daqui.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

No Ciclo Eterno das Mudáveis Coisas

No ciclo eterno das mudáveis coisas 
Novo inverno após novo outono volve 
À diferente terra 
Com a mesma maneira. 
Porém a mim nem me acha diferente 
Nem diferente deixa-me, fechado 
Na clausura maligna 
Da índole indecisa. 
Presa da pálida fatalidade 
De não mudar-me, me infiel renovo 
Aos propósitos mudos 
Morituros e infindos. 


*Ricardo Reis, in "Odes"  (Fernando Pessoa)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O início da operação tapa-buraco.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A contradição (condição) de encarnar a possibilidade do impossível.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Volver

Tuya es su vida, tuyo es su querer...


Yo adivino el parpadeo
De las luces que a lo lejos
Van marcando mi retorno...
Son las mismas que alumbraron
Con sus palidos reflejos
Hondas horas de dolor...
Y aunque no quise el regreso,
Siempre se vuelve al primer amor...
La vieja calle donde el eco dijo
Tuya es su vida, tuyo es su querer,
Bajo el burlon mirar de las estrellas
Que con indiferencia hoy me ven volver...
Volver... con la frente marchita,
Las nieves del tiempo platearon mi sien...
Sentir... que es un soplo la vida,
Que veinte años no es nada,
Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.
Vivir... con el alma aferrada
A un dulce recuerdo
Que lloro otra vez...
Tengo miedo del encuentro
Con el pasado que vuelve
A enfrentarse con mi vida...
Tengo miedo de las noches
Que pobladas de recuerdos
Encadenan mi soñar...
Pero el viajero que huye
Tarde o temprano detiene su andar...
Y aunque el olvido, que todo destruye,
Haya matado mi vieja ilusion,
Guardo escondida una esperanza humilde
Que es toda la fortuna de mi corazón.
Volver... con la frente marchita,
Las nieves del tiempo platearon mi sien...
Sentir... que es un soplo la vida,
Que veinte años no es nada,
Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.
Vivir... con el alma aferrada
A un dulce recuerdo
Que lloro otra vez...


*Carlos Gardel

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Anônimas

"Virginia, Meu Eterno-único Amor,

sei que você continua passando noites e noites em claro em busca de um ponto de apoio que possa lhe responder pelo menos uma dessas tantas interrogações.
[ou para que pelo menos elas se tornem vírgulas, reticências, pontos de exclamação e pontos finais]
sei que depois de tantos anos desde a primeira vez que nos cruzamos naquela rua escura, depois daquele filme do Bergman no Paladium, você permanece em sua deliciosa, perigosa, kamikaze e tão sedutora Vida-de-montanha-russa.
sei que mesmo depois de ter se lançado mortalmente no Rio Ouse, você continua a ser atormentada pela mesmas interrogações. Seu corpo boiou por quase um mês...
Naquele marasmo de água-doce, você se reintegrou à Natureza. sei que aqueles dias foram os melhores de sua vida.
[de olhos bem fechados, entre-a-vida-e-a-morte]
Quando te achamos e fizemos nossos rituais de morte, para que pudéssemos de modo civilizado, simbolizar sua passagem, eu sei, meu amor, que a angústia amarga de seu âmago voltou a te assombrar, pois você simplesmente voltou a viver.
Virginia, minha mulher e esposa, sua falta de freio e os símbolos que tatuou em seu corpo-alma foram e sempre serão a alavanca de minha eterna admiração por você. A sua Magnitude etílica é digna de uma Rainha....
Ah minha querida, se conselho fosse bom, não seria dado, não é? Mas devo te dizer, já é tarde. Você já vagou demais.

É hora de voltar pra casa. Pros meus braços magros e meu peito branco de ossos frios e sobressalentes, que te jogarão para a realidade que tanto temes: a do dia-a-dia.

A-Guardo-te.

Sempre Seu,

Leonardo Woolf."

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Antes e durante o sono (ou na falta dele)

" Pão-de-Mel,

Lembrei de você assim que acordei, na verdade tive uma puta insônia depois de um pesadelo.
Queria te ligar, mas né, não vou fazer aloka e te ligar às 4h da madrugada. É que lembrei que ontem mesmo você me contou que tinha sonhado com aqueles fantasmas que te assombravam e que demoramos tantos anos para exorcizá-los... será que eles irão voltar, gata? não temos mais saúde mental e disposição física para conviver com eles. precisamos mandá-los de volta pro purgatório, de onde nunca deveriam ter saído.


Enfim...  acordei com uma inquietude maior do que quando fui dormir e nessas horas sei que só você pode me acalmar. Na verdade nem é acalmar, porque você anda tão cheia de dor e tão atormentada pelos mortos-vivos que você mesma retirou (ics) da catacumba,

mas talvez fantasiar, quer dizer delirar...
hoje vejo que devido a nossa cumplicidade tão fluente, esses monstros que puxam seu pé na cama, são os mesmos que sopram frio no meu ouvido nessas noites de insônia.

Bom,  nem sei o que queria te dizer, mas acho que talvez queria te indagar o seguinte:


POR QUE NÃO PODEMOS VIVER COMO VIVEMOS EM NOSSOS SONHOS? NÃO AQUELES SONHOS IMAGINÁRIOS, MAS AQUELES BREVES MOMENTOS DE CONCRETUDE DA FELICIDADE...
 
Pra essa pergunta, talvez que eu mesma já tenha a resposta.
 
Por ora e por último queria só te pedir...
 
mande os fantasmas embora, e deixe só nossas fantasias coloridas e macias, elas só estão em nossos imaginários porque as merecemos.
 
Com amor fraternal,
 
Sua Metade. "

sábado, 14 de agosto de 2010

Daddy's girl learned fast ALL those things he couldn't say






On the street where you live
Girls talk about their social lives
They're made of lipstick, plastic and paint
A touch of sable in their eyes

All your life all you asked
When is your Daddy gonna talk to you
But we're living in another world
Tryin' to get your message through

No one heard a single word you said
They should have seen it in your eyes
What was going around your head

quarta-feira, 28 de julho de 2010

End it someday - What's that song? or I hate myself and I want to die


Running nose and runny yolk
Even if you have a cold still

You can cough on me again

I still haven't had my full fill

In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?

In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?



Broken heart and broken bones

Finger pressing down to the horse pills (Think about the guys in the hospitals)

One more quirky cliched phrase

You're the one I wanna refill (You don't wanna wanna read them)



In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?

In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?




(Words are broken lives)

Most people don't realize that large pieces of coral, which have been painted brown and attached to the skull by common wood screws, can make a child look like a deer.




In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?

In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?


Running nose and runny yolk

Even if you have a cold still

You can cough on me again

I still haven't had my full fill



In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?

In the someday - What's that sound?

End it someday - What's that song?



In the some day What's that sound x4

Most people don't realize

That two large pieces of coral,

Painted brown, and attached to his skull

With common wood screws can make a child look like a deer



In the someday what's that s sound?



Runny nose and runny yolk

Even if you have a cold still

You can cough on me again

I still haven't had my fulfill

In the someday what's that s sound
 
 
*Kurt Cobain

terça-feira, 27 de julho de 2010

.vai fazer um pequeno corte transversal na altura do miocárdio para extirpar todo o altruísmo que lhe é intrínseco.

sábado, 17 de julho de 2010

(parênteses)

Sentiu falta do Tango.
Sentiu falta do Vinho.
Sentiu falta do Sangue.
Sentiu falta da Carne.
Sentiu falta da Esqualidez.
Sentiu falta do Pedestal.

Falta por falta, sempre há. Sempre há a falta.
A página foi virada a força.
porque passo a passo.
a falta tem sido aceita.

Saudade... Saudade, sim.
Gloriosa entidade.
Estou aqui para vosso serviço.
Mesmo que doa. A senhora sim, é de Dignidade.
Te sirvo como uma humilde pagã.

E como lhe sinto.

E no 'aqui-agora':

Sinto Saudade da Escrita.
Sinto Saudade da Pele.
Sinto Saudade da Escrita na Pele.

(...)


Deixe estar... (inspira e transpira)
um dia Ela volta.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

o paraíso

ferida aberta. carne exposta. sangue que não cessa.
ferida aberta. carne exposta. sangue que não cessa.
ferida aberta. carne exposta. sangue que não cessa.
ferida aberta. carne exposta. sangue que não cessa.
ferida aberta. carne exposta. sangue que não cessa.

hemorragia. deixar morrer por si só.
hemorragia. deixa morrer por si só.
hemorragia. deixou morrer por si só.


jogou a carne pras bestas devorarem.
joga os ossos numa vala.
deixar a alma andar por ai... penada.
não faz ritual de morte.
não merece. não é gente.
não é bicho. é Nada.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Todos Os Dias e mais Um Dia.

Acordou numa manhã muito fria. Tão gelada que não sentia seus dedos. O peso do seu corpo era tamanho que demorou horas para erigir-se. Era como se tivesse 90 anos ou mais... Abriu os olhos e pensou no que havia passado todos aqueles anos. Supreendeu-se em deparar-se com o vazio, mas isso já era de se esperar: o vazio. O barulho dos automóveis e de tudo que ocupa/habita os espaços urbanos estavam cada vez mais distantes. Cada segundo podia aproximar-se da orquestração que o silêncio constitui. Em frangalhos, arrastava-se pelo chão, e fitava o que passou. Deu-se conta que todo o período que visualizava, os 90 anos lógicos - lacanianos, não passavam de meros objetos descartáveis. Talvez tenha passado toda uma vida vivenciando as delícias mundanas e materiais. E só. Finalmente talvez, mas apenas hipoteticamente, seu espírito estivesse se descolando de seu corpo. Não entendia direito o que sucedia. Sua ignorância e alienação eram tamanhas que não sabia o que passava. Arrastava-se pelo chão como um réptil. Pensava "do dia pra noite, eu envelheci". Lembrou-se de sua juventude e tudo que perdera, tudo que deu e tudo que não abdicou para chegar até ali, das não-evoluções sucessivas, das esbórnias e do sangue alheio derramado por toda a estrada. "Será que já estou morta?" Por mais que tivesse desejado sua Passagem durante todos aqueles anos, temia o que vinha depois. O juízo final deixava-a trêmula. Muito do peso se devia ao buraco da frustração causada pela distância entre o que não foi  e a imagem criada por seu Supereu daquilo que acha que deveria ser. Mas ela não via. Só sentia.  Após ininterruptas 24 horas da imersão em vir-a- ser o passado/presente/futuro, deu-se conta que o fardo que estava arrastando não era seu corpo... e sim sua alma.

terça-feira, 22 de junho de 2010

I wish I could wake up on 2012.

sábado, 12 de junho de 2010

eros

“é extraordinário poder demonstrar que a atividade sexual, habitualmente rebaixada ao nível da carne comestível, tem o mesmo princípio da poeisa”.
george bataille

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Saga

Andei depressa para não rever meus passos
Por uma noite tão fulgás que eu nem senti
Tão lancinante, que ao olhar pra trás agora
Só me restam devaneios do que um dia eu vivi
Se eu soubesse que o amor é coisa aguda
Que tão brutal percorre início, meio e fim
Destrincha a alma, corta fundo na espinha
Inebria a garganta, fere a quem quiser ferir
Enquanto andava, maldizendo a poesia
Eu contei a história minha pr´uma noite que rompeu
Virou do avesso, e ao chegar a luz do dia
Tropecei em mais um verso sobre o que o tempo esqueceu
E nessa Saga venho com pedras e brasa
Venho com força, mas sem nunca me esquecer
Que era fácil se perder por entre sonhos
E deixar o coração sangrando até enlouquecer
E era de gozo, uma mentira, uma bobagem
Senti meu peito, atingido, se inflamar
E fui gostando do sabor daquela coisa
Viciando em cada verso que o amor veio trovar
Mas, de repente, uma farpa meio intrusa
Veio cegar minha emoção de suspirar
Se eu soubesse que o amor é coisa assim
Não pegava, não bebia, não deixava embebedar
E agora andando, encharcado de estrelas
Eu cantei a noite inteira pro meu peito sossegar
Me fiz tão forte quanto o escuro do infinito
E tão frágil quanto o brilho da manhã que eu vi chegar
E nessa Saga venho com pedras e brasa
Venho sorrindo, mas sem nunca me esquecer
Que era fácil se perder por entre sonhos
E deixar o coração sangrando até enlouquecer

Saga


*Filipe Catto

sábado, 29 de maio de 2010

how much pain can you take her?

domingo, 23 de maio de 2010

Destinatário: Rua do Pôr-do-Sol, s/nº

Querido Czar,

quando voltar de viagem, chute a porta do meu quarto.
entre me rasgando. não peça licença, por favor.
você não precisa.será sempre soberano nesse lar.
ontem estive pensando em você. por isso resolvi te escrever depois de tantos anos.
lembra quando éramos jovens?
e andávamos pelas ruas como selvagens.
lembra do tempo em que fomos felizes?
e acreditávamos que nossa beleza era infinita.
lembra quando tínhamos pena certeza de nossa imortalidade?
e vagávamos pela zona boemia.
você brigava comigo por minha promiscuidade...
me dizia que eu deveria me resguardar pra só um homem, que seria o homem da minha vida.
me implorava pra que eu selasse a virgindade do meu peito (?)
confesso-te que algumas vezes, raras, achei que esse 'homem' fosse você...
lembra que eu te dizia que se não encontrássemos o amor, um dia ele nos encontraria?
você me pedia pra que esse vácuo entre o meu estômago e meu pulmão, não engolisse tudo a nossa volta.
me sentava ao seu lado e afagava seus cabelos negros, e entorpecidos de paixão narcisíca, permanecíamos sentados numa eterna tarde quinta-feira.
contemplando nossa juventude.

Sinto sua falta, majestade. Quando voltar aos trópicos, me procure.

Sempre sua.

S.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Gran Ganga

Soy de Teheran

"vivo en continua
temporada de rebajas
sexo lujo y paranoias
ese ha sido mi destino
quien soy yo y adonde voy?
quien es el y adonde va?
de donde vengo que planes tengo
de donde viene y que
planes tiene?
gran ganga gran ganga
soy de teheran
gran ganga gran ganga
el es de teheran
calamares por aqui
boquerones por alla
mi vida es puro vicio
y esto me saca de quicio
y asi voy y vengo
y por el camino me entretengo
muestrate ya
estoy aqui
muestrate ya
 el esta aqui
te estoy buscando
buscame a mi
te esta buscando
buscale a el
gran ganga gran ganga
soy de teheran
gran ganga gran ganga
el es de teheran
calamares por aqui
boquerones por alla
lo que no da un polvo
tu sabes bien que es un estorbo
quien soy yo y adonde voy
quien es el y adonde va
de donde vengo que planes tengo
de donde viene que planes tiene
gran ganga gran ganga
soy de teheran
gran ganga gran ganga
el es de teheran
calamares por aqui
boquerones por alla
calamares por aqui
boquerones por alla
calamares por aqui
boquerones por alla"





Almodovar y Mcnarama

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Câncer, Ela e outras catástrofes intrínsecas ao corpo

Quase um vácuo.
preso num intervalo curto.
Dentre o vazio que dava forma.
ou seria a forma que o vazio lhe dava?
Por um período, pré-óbito, inebriou-se dentro de uma fossa.
Assim foram seus últimos dias:

Não podia mais suportar.
Não se mexia.
Não respirava.
Não falava.
Não bebia.
Não se embriagava.
Não comia.
Não urinava.
Não defecava.
Não podia mais ter ereção.

Sua libido estava estancada.
E a cada dia, cada noite, cada segundo,
sentia mais um músculo, mais uma veia, mais uma artéria, mais um membro...
atrofiando-se.

Mas a consciência de si estava ali o tempo inteiro.
Não se perguntava bobagens existenciais do tipo "por que?" "para que?" ou "para onde?"
Mantinha sim, a mesma frieza obsessiva característica de sua vida toda e se indagava
"quanta dor Isso irá me levar...? até que Isso me leve?"

Em seu silêncio opressivo, podia mensurar a dor.
Conhecia cada milímetro da dor, e tinha se apropriado dela.

Foram meses cronológicos que se arrastaram como anos lógicos.
Abria os olhos e acreditava estar no purgatório.
Ao ver a luz do sol, recordava-se que não havia partido.

Por vezes, a frieza, sua marca de nascença, ausentava-se.
E ele lamentava "ah... se pudesse voltar no tempo..."
mas logo a frieza invadia sua alma e ele pensava
"se pudesse voltar no tempo faria tudo igual..."

Antes de se tornar um morto-vivo, aprendeu uma lição que não pudera, por falta de tempo, lecionar pra outrem: não é preciso ser forte na vida, mas sentir-se forte.

E agora jazia, ainda vivo.
Mensurando a sua dor, sob um silêncio ditador.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Bullet With Butterfly Wings

The world is a vampire, sent to drain
Secret destroyers, hold you up to the flames
And what do I get, for my pain
Betrayed desires, and a piece of the game
Even though I know - I suppose I'll show
All my cool and cold-like old job

Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Someone will say what is lost can never be saved
Despite all my rage I am still just a rat in a cage

Now I'm naked, nothing but an animal
But can you fake it, for just one more show
And what do you want, I want change
And what have you got
When you feel the same
Even though I know - I suppose I'll show
All my cool and cold-like old job

Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Someone will say what is lost can never be saved
Despite all my rage I am still just a rat in a cage

Tell me I'm the only one
Tell me there's no other one
Jesus was an only son yeah
Tell me I'm the chosen one
Jesus was an only son for you

Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Despite all my rage I am still just a rat in a cage
Someone will say what is lost can never be saved
Despite all my rage I am still just a rat in a cage

Despite all my rage I am still just a rat in a
Despite all my rage I am still just a rat in a
Despite all my rage I am still just a rat in a cage

Tell me i'm the only one
Tell me there's no other one
Jesus was an only son for you

And i still believe that I cannot be saved
And i still believe that I cannot be saved
And i still believe that I cannot be saved
And i still believe that I cannot be saved

terça-feira, 4 de maio de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Breu

Quando a noite caia, saia de casa sem rumo.
A escuridão lhe causava um estranho aconchego.
E assim como esperava seu falecido amante retornar,
contava cada segundo para que o breu esvaziasse a luz do dia.
Aos quinze anos sonhava com o momento em que se tornaria uma vampira.
Aos vinte acreditava que a amava tanto pelo fato de seus olhos doerem menos.
Aos trinta, aprendeu o sentido do ditado popular 'o que os olhos não veêm, o coração não sente'.
E essa máxima sim, lhe fez apreender o que era o âmago de seu infinito amor pela escuridão.

Andava pelas ruas, sem carteira de identidade, fazia imensa questão de ser só mais uma.
Inalava os odores do esgoto e do lixo urbano. Refletia 'a noite a cidade é tão bonita'.
Sentia o peso de suas pernas, a dor intermitente na coluna e as fincadas permanentes nas costelas...
mas não parava de andar.
Caminhava por ai.
Só esse movimento era capaz de estacar a melancolia infinita que corria em seu sangue.
E permanecia caminhando por ai.
Passava pelos bares cheios de pulsões de morte e vida.
Escutava as vozes e risadas.
Pensava em algum momento se aproximar de um ser ou outro que lhe evocavam alguma agradabilidade estética. Entretanto, logo recuava.
Há alguns meses parecia estar suspensa de si. Era como se uma fina tela plástica transparente tivesse sido envolta em sua pele. Então, ninguém poderia tocá-la, e ela não poderia tocar ninguém.
Vez ou outra tomava doses de alguma bebida destilada. Esse hábito também era benevolente à melancolia que infectara seu sangue durante seu parto e/ou sua vinda ao mundo (apesar de os médicos lhe dizerem o contrário).

E permanecia caminhando por ai.
Pode ser que procurava algo, mas não sabia ao certo o que era.
'Um sujeito e/ou objeto!?' - questionava-se.
Sabia que quando encontrasse descobria, bastaria apalpar e aspirar...
Ela saberia do que se tratava,

ainda que sob o Breu.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Morte e a morte

"Querido,

Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. 
Não posso atrapalhar sua vida. 
Não mais. 

Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.

V."

* Virginia Wolf em seu último bilhete a Leonardo Wolf (1941)

sábado, 17 de abril de 2010

Clarice/Virginia e/ou Virginia/Clarice

'seja forte'/ 'você não tem que dar conta de tudo'
                                                                       'tenha postura'/ 'você não dá conta'
                      'seja firme/ 'você é só uma menina'


'seja mulher'/ 'você é fraca'


'talvez'/'sim ou não e ponto'
                                        'dói/ 'necrotério'
'chama...'/'tudo vai passar'




'preciso de paz!'/ 'preciso de paz'
'preciso de paz...'/ 'preciso de você'.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sede e Fadiga

"Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis."


*CFA

terça-feira, 6 de abril de 2010

O ovo apunhalado

(Nos Poços)

Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê. 



(...)


*Caio Fernando Abreu

terça-feira, 30 de março de 2010

Only Lonely

"Another long and sleepless night
You need someone to hold you tight
Sometimes love does not know wrong from right
Another long and senseless
Fight was all you knew they're all the same
There's no one left to take the blame 


What's behind this masquerade
How do we win these losin'
Games we play, words we say
Cutting wounds we know they run so deep
Leave it all behind you
Or someday love will find you 



(...)I can't stop hurting you 
(...)but I can't stop loving you
(...)how much pain it takes



?
?
?"

domingo, 28 de março de 2010

sexta-feira, 26 de março de 2010

O Imperativo de Eros ou o Império de Tânatos?

Em tempestade, em terra ou em outro lugar nenhum...

acontece. E remete sempre ao mesmo ponto,

de um determinado ponto da infância primeira.

Não há como antever e nem predeterminar.

Os antigos gregos chamavam de tiquê,
nós mortais, sobreviventes do século XXI,
nomeamos esse buraco sem nome de Acaso ou Esmo.

[A - caso e Es - mo]

A rotina, o previsível é o Grego automaton.
Enquanto este aponta para a repetição sintomática,
como insistência dos signos comandada pelo princípio do prazer
(bom dia, Eros).
A tiquê indica esse encontro do Real,

que vige sempre por trás do automaton,
para além do princípio do prazer
(boa noite, Tânatos)

O mesmo continua porque é assim.

Sim, acontece pois simplemente acontece.
é a mesma coisa, só mudam as máscaras, os personagens e maquiagem:
Os atores são sempre os mesmos, desde o início da existência humana.

O esmo, desconhecido, vem para romper a mera ilusão de controle.
O buraco, o lapso vem como o inominável Imprevisível.

Se "a razão é medrosa", a repetição nos cega,
pois ela é cega em sua própria essência.

Tiquê cava uma cratera na Superficialidade.

Enlaça, exatamente aquilo que era intangível.
Une os paralelos no infinito.
Desvela a cegueira das insaciáveis repetições.


quarta-feira, 24 de março de 2010

Das Ding

"Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome."




*Clarisse Lispector

segunda-feira, 22 de março de 2010

Fala comigo... doce como a chuva


(...) Começa a chover. (...)


- Você voltou quando eu tinha saído para te procurar(...)
- Não podia telefonar(...)
- A única coisa que botei na boca desde que saiu foi café instantâneo, até que acabou, e água.(...)
- Fala comigo como a chuva e eu ficarei deitado aqui e ouvirei, eu ficarei...
- Eu quero ir embora(...) Sozinha,... me registrarei sob um nome falso num pequeno hotel da costa...
- Que nome?
- Anna - Jones...A arrumadeira será uma velhinha...que sempre me falará do neto.Eu sentarei em uma cadeira, enquanto ela fala do neto e arruma a cama. O quarto estará na penumbra, fresco e cheio do murmurio da...

- Chuva?

- Sim, chuva. Eu receberei um cheque...A velhinha trará livros e minha roupa lavada. Eu nunca serei forte, mas depois de um tempo terei energia suficiente para caminhar na calçada ,passear na praia...haverá uma estação de chuva
chuva...chuva...chuva...
Não me importarei de ficar ouvindo apenas a chuva...Não terei conciência da passagem do tempo...De vez em quando irei ao cinema...Lerei livros e os diários de escritores mortos. Essa minha amizade com poetas mortos será doce e refrescante, porque não terei que responder suas perguntas. Dormirei com o livro ainda entre os dedos e
choverá...
Acordarei e ouvirei a chuva, e voltarei a dormir.
Uma estação de chuva, chuva, chuva...
Então um dia, quando tiver fechado um livro ou voltado sozinha do cinema - Olharei no espelho e verei que meu cabelo ficou branco. Passarei a mão sobre meu corpo e sentirei o quanto fiquei leve e magra.
Oh, como estarei magra.Quase transparente. Quase irreal. Então saberei, de modo vago, que estava morando nesse quarto de hotel, sem nenhuma relação social, responsabilidade, ansiedades ou perturbações de qualquer tipo - por quase meio século. Nem sequer me lembrarei dos nomes das pessoas que conhecia antes, nem da sensação de ser alguém esperando por alguém que - talvéz não venha...Então saberei...que chegou o momento mais uma vez, de caminhar sozinha, com o vento forte batendo em mim, o vento limpo e branco que vem do princípio do mundo, ainda mais além do que isto, vem do princípio do espaço, ainda mais além de qualquer coisa que haja além do princípio do espaço...- Então sairei e andarei sozinha...e serei empurrada pelo vento e ficarei pequenina, pequenina.
- Amorzinho, vamos para a cama.
- Pequena, pequena, pequena, e mais pequenina e pequenina! - Até que finalmente não teria mais corpo e o vento viesse me tomar em seus braços brancos e refrescantes para sempre, e me levasse embora!
- Vamos para a cama!
- Quero ir embora. Quero ir embora(...)
- A luz pisca e ouve-se o vento frio...


- Vem para a cama. Vem para a cama, meu bem...




*Inspirado no texto de Tennese Willians

terça-feira, 16 de março de 2010

Vergänglichkeit - Sobre a Transitoriedade

" Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem mais já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.

A propensão de tudo que é belo e perfeito à decadência, pode, como sabemos, dar margem a dois impulsos diferentes na mente. Um leva ao penoso desalento sentido pelo jovem poeta, ao passo que o outro conduz à rebelião contra o fato consumado. Não! É impossível que toda essa beleza da Natureza e da Arte, do mundo de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em nada. Seria por demais insensato, por demais pretensioso acreditar nisso. De uma maneira ou de outra essa beleza deve ser capaz de persistir e de escapar a todos os poderes de destruição.

Mas essa exigência de imortalidade, por ser tão obviamente um produto dos nossos desejos, não pode reivindicar seu direito à realidade; o que é penoso pode, não obstante, ser verdadeiro. Não vi como discutir a transitoriedade de todas as coisas, nem pude insistir numa exceção em favor do que é belo e perfeito. Não deixei, porém, de discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor.

Pelo contrário, implica um aumento! O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Era incompreensível, declarei, que o pensamento sobre a transitoriedade da beleza interferisse na alegria que dela derivamos. Quanto à beleza da Natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano seguinte, do modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de fato ser considerada eterna.

A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Um flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela. Tampouco posso compreender melhor por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua limitação temporal. Realmente, talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos venham a ficar reduzidos a pó, ou que nos possa suceder uma raça de homens que venha a não mais compreender as obras de nossos poetas e pensadores, ou talvez até mesmo sobrevenha uma era geológica na qual cesse toda vida animada sobre a Terra; visto, contudo, que o valor de toda essa beleza e perfeição é determinado somente por sua significação para nossa própria vida emocional, não precisa sobreviver a nós, independendo, portanto, da duração absoluta.


(...)"


* Freud, S. - Berlin: Novembro, 1915.

terça-feira, 9 de março de 2010

Estradas, pontes, viadutos e outros abandonos sem dor



Esperei por você a vida toda.
Carreguei esse fardo dentro de meu peito.
Calada... uma vez que não tinha muito o que falar.

Mas... confesso que falei, me embreaguei pra ver se você chegava mais rápido.
Escutei rifles de guitarra, solos de piano e desmaiei sobre os timbres dos acordeons...
Esperando você chegar, minha amada.
Seja bem vinda, majesté.

Agora vem, pode me levar.
E me lave antes,
essa sua inimiga, chamada Vida, me deixou imunda.
Não quero mais retornar ao meu leito e nem aos meus ofícios.
E nem ao delas.

Nesse 1/4 de século procurei por você todos os dias.
Aos 20, me disseram que não adiantava procurar-te.
Você me encontraria onde eu estivesse.


Esperei por você a vida toda.
Pra te acompanhar nesse tango que toca ao fundo dos meus ouvidos desde que vim ao mundo.

Esperei por você, para te conceder essa dança,
para bebermos conhaque
e para que você, finalmente,
me consumasse sobre esse piano de cauda.

Carreguei esse fardo em meus ossos a noite toda...
E em cada noite em claro... te esperei.
Você não vinha.
Rolava em minha cama, me esfregava em lençóis
e sentia a vulgaridade do meu sexo.

Agora você está aqui.
Estamos nos flertando.
Nos admirando intensamente, creio.
Seus olhos são negros e carregados de almas...

"Pode entrar" - te digo, com um sorriso fúnebre.
Você continua fitando minha pele, meus dentes, meus olhos e minhas unhas.

Continuo: "Estava aqui... justamente cavando minha cova, nosso leito, não é, mon amour?"

Você permanece de pé.
Sua esqualidez minha bambeia as pernas.
Me fragiliza.

E como num sopro, você me dá as costas e parte, sozinha.
Me abandona nessa estrada, cujo nome nós, mortais, demos de Vida.

Majestade Soberana, você se aproximou e não pronunciou sequer uma palavra.

Alguns dias depois chegou uma música pelo rádio.
Canção de um nobre compositor que você já levou.
Sabia que era você me anunciando:

"Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que iras tomar

Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó

Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo

Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés. "

Ainda aguardo seu retorno.


S.