quarta-feira, 21 de abril de 2010

Breu

Quando a noite caia, saia de casa sem rumo.
A escuridão lhe causava um estranho aconchego.
E assim como esperava seu falecido amante retornar,
contava cada segundo para que o breu esvaziasse a luz do dia.
Aos quinze anos sonhava com o momento em que se tornaria uma vampira.
Aos vinte acreditava que a amava tanto pelo fato de seus olhos doerem menos.
Aos trinta, aprendeu o sentido do ditado popular 'o que os olhos não veêm, o coração não sente'.
E essa máxima sim, lhe fez apreender o que era o âmago de seu infinito amor pela escuridão.

Andava pelas ruas, sem carteira de identidade, fazia imensa questão de ser só mais uma.
Inalava os odores do esgoto e do lixo urbano. Refletia 'a noite a cidade é tão bonita'.
Sentia o peso de suas pernas, a dor intermitente na coluna e as fincadas permanentes nas costelas...
mas não parava de andar.
Caminhava por ai.
Só esse movimento era capaz de estacar a melancolia infinita que corria em seu sangue.
E permanecia caminhando por ai.
Passava pelos bares cheios de pulsões de morte e vida.
Escutava as vozes e risadas.
Pensava em algum momento se aproximar de um ser ou outro que lhe evocavam alguma agradabilidade estética. Entretanto, logo recuava.
Há alguns meses parecia estar suspensa de si. Era como se uma fina tela plástica transparente tivesse sido envolta em sua pele. Então, ninguém poderia tocá-la, e ela não poderia tocar ninguém.
Vez ou outra tomava doses de alguma bebida destilada. Esse hábito também era benevolente à melancolia que infectara seu sangue durante seu parto e/ou sua vinda ao mundo (apesar de os médicos lhe dizerem o contrário).

E permanecia caminhando por ai.
Pode ser que procurava algo, mas não sabia ao certo o que era.
'Um sujeito e/ou objeto!?' - questionava-se.
Sabia que quando encontrasse descobria, bastaria apalpar e aspirar...
Ela saberia do que se tratava,

ainda que sob o Breu.

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