sexta-feira, 20 de julho de 2007

MELLON COLLIE

Há um rio de sangue que corre na tua garganta.
Há um mar de dor que banha as tuas entranhas.
Há um oceano perdido de impotência que habita teus órgãos.

O pranto secou.
Congelou com teu coração.
O teu desejo mais uma vez te levou ao fraca-sso impessoal.
Fraca...

E nem o recurso das palavras, nem o simbolismo das frases são mais capazes.
Incapaz de sustentar.
Sustentar teu imaginário, as imagens que você só sente.
Somente sentimento.
[aquele sentir que mente]

Agora o que há dentro de ti é só a essência primeva.
Se assemelha a um NADA interno, que remo(v)eu o que HAVIA.
Crua e assassina.
[angústia]

E te indago neste momento, seria o amor só uma face desta dor?!
E diante deste exposto,
Nota-se que nem o recurso à PALAVRA é mais capaz de te sustentar.

in a cage


despite of my rage, I'm still just a rat in a cage

segunda-feira, 16 de julho de 2007

A morte

Expectativa de vida
Momento num café
quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes da vida.
Um no entanto descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.


*Manuel Bandeira

quarta-feira, 11 de julho de 2007

ao populacho:

àqueles que veêm e não veêm.
àqueles que vêm e não vêm.

se vêm, não enxergam.
se veêm, não estão.

dar sentido ao que não é sentido?
e quem sente algo?

(silêncio)


cale-se e leia...
leia o que está entre as linhas.
pois ela propriamente ditas,
dizem pouco....
ou dizem nada.

[entre]

dor e aflição aos que não sabem ler.
ler o que está aquém das palavras.
e além do sentimento.

{sentir - que - mente}

frases.

"As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado."


"Na velha Rússia, dizia um possesso dostoievskiano: — "Se Deus não existe tudo é permitido". Hoje, a coisa não se coloca em termos sobrenaturais. Não mais. Tudo agora é permitido se houver uma ideologia."


"Ainda ontem dizia o Otto Lara Resende: — "O cinema é uma maneira fácil de ser intelectual sem ler e sem pensar". Mas não só o cinema dá uma carteirinha de intelectual profundo. Também o socialismo. Sim, o socialismo é outra maneira facílima de ser intelectual sem ligar duas idéias."


"Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista."


*Nelson Rodrigues

DIÁLOGO DE RUPTURA

- Não é tanto que já não saibamos
- Sim, sobretudo isso, não encontrar
- Mas talvez o tenhamos buscado desde o dia em que
- Talvez não, e apesar disso cada manhã que
- Puro engano, chega o momento em que a gente se olha como
- Quem sabe, eu ainda
- Não basta só querer, se além do mais não se tem a prova de
- Está vendo, de nada vale essa segurança que
- Certo, agora cada um exige uma evidência frente a
- Como se beijar fosse assinar um atestado, como se olhar ...



*Cortázar,em Um tal Lucas

sinto-me morta


"sinto-me morta e me machuco para saber se estou viva.
sinto-me morta e devo assumir riscos perigosos para saber que estou viva.
sinto- me vazia e devo me encher de drogas, comida e gozo.
mas estes 'consertos de alma' têm vida útil muito curta.
E quando eles são absorvidos acabo me sentindo
- ainda mais morta e vazia."

terça-feira, 10 de julho de 2007

O menino que carregava água na peneira



Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos



*Manuel de Barros

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Os dois horizontes


Dois horizonte fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem?
— PerdidoNo mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.

Que buscas, homem?
— Procuro,Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

*Machado de Assis
Estou Doente

Estou doente.
Meus pensamentos começam a estar confusos.
Mas o meu corpo, tirado às cousas, entra nelas.
Sinto-me parte das cousas com .............................
E uma grande libertação começa a fazer-se em mim,
Uma grande alegria solene como a de eu estar vem (?)
[Um verso ilegível.]





*Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
falta que me falta.
vazio que preenche.
tudo que não me basta.
nada que me enche.


o dia passa.
noventa dias se passam.

e nada passa.
tudo fica.

terça-feira, 3 de julho de 2007

obs - cena

Explora o meu corpo,
dedilhando-o todo em passeios quentes,
Viaje nos meus desatinos,
escorregando a sua boca na minha pele,
suga-me em arrepios,
(minha alma entrega-se pela boca...)

à sua boca, abrindo-se em delírios.

Sentindo o seu pulsar,
Sentindo o seu tudo,
Me aproximando do seu âmago,
acariciando cada centímetro dentro de você,

beijo a sua boca febril,
penetrando a minha língua em você,
devorando cada pedaço da sua carne.
Te entrego o meu corpo,
ao som dos meus suspiros sedentos de desejo.

venha caminhar sedenta,
pelas minhas margens,
para, preencher meus vazios...
encaixando a tua luxúria dentro de mim...
até eu alcançar o mais pleno orgasmo.


[o7-03-2006]

linguagem - imagem - drenagem

"Linguagem é uma pele. Eu esfrego minha linguagem em outras. É como se algumas vezes eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou, dedos na ponta da língua. Minha linguagem é sedenta e trêmula de desejo."






[Roland Barthes]

segunda-feira, 2 de julho de 2007

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino e hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."






[Nelson Rodrigues]
Multidão
Fumaça
Correria
O tempo quase sempre é insuficiente
As pessoas passam
O tempo passa
A vida passa
Você vai e volta
Eu corro de mim mesma
Tanta energia gasta inutilmente
Investe-se muito em confortos ilusórios
Não há espaço para criar laços
A atmosfera é de disputa
Um misto de deslumbre e egoísmo se tornam convites ao isolamento
Todos são infectados
Alguns mais que os outros
Inclusive eu
O que não me torna mais interessante
Fuga diante da correria
O planeta dá voltas e torno de si mesmo na tentativa de nos expelir

E não há mais tempo nem para festejar a capacidade de transformar oxigênio em gás carbônico...

(29/09/2005)