quinta-feira, 6 de maio de 2010

Câncer, Ela e outras catástrofes intrínsecas ao corpo

Quase um vácuo.
preso num intervalo curto.
Dentre o vazio que dava forma.
ou seria a forma que o vazio lhe dava?
Por um período, pré-óbito, inebriou-se dentro de uma fossa.
Assim foram seus últimos dias:

Não podia mais suportar.
Não se mexia.
Não respirava.
Não falava.
Não bebia.
Não se embriagava.
Não comia.
Não urinava.
Não defecava.
Não podia mais ter ereção.

Sua libido estava estancada.
E a cada dia, cada noite, cada segundo,
sentia mais um músculo, mais uma veia, mais uma artéria, mais um membro...
atrofiando-se.

Mas a consciência de si estava ali o tempo inteiro.
Não se perguntava bobagens existenciais do tipo "por que?" "para que?" ou "para onde?"
Mantinha sim, a mesma frieza obsessiva característica de sua vida toda e se indagava
"quanta dor Isso irá me levar...? até que Isso me leve?"

Em seu silêncio opressivo, podia mensurar a dor.
Conhecia cada milímetro da dor, e tinha se apropriado dela.

Foram meses cronológicos que se arrastaram como anos lógicos.
Abria os olhos e acreditava estar no purgatório.
Ao ver a luz do sol, recordava-se que não havia partido.

Por vezes, a frieza, sua marca de nascença, ausentava-se.
E ele lamentava "ah... se pudesse voltar no tempo..."
mas logo a frieza invadia sua alma e ele pensava
"se pudesse voltar no tempo faria tudo igual..."

Antes de se tornar um morto-vivo, aprendeu uma lição que não pudera, por falta de tempo, lecionar pra outrem: não é preciso ser forte na vida, mas sentir-se forte.

E agora jazia, ainda vivo.
Mensurando a sua dor, sob um silêncio ditador.

Um comentário:

[thefa] disse...

exorcizar é preciso. amém.