sexta-feira, 2 de julho de 2010

Todos Os Dias e mais Um Dia.

Acordou numa manhã muito fria. Tão gelada que não sentia seus dedos. O peso do seu corpo era tamanho que demorou horas para erigir-se. Era como se tivesse 90 anos ou mais... Abriu os olhos e pensou no que havia passado todos aqueles anos. Supreendeu-se em deparar-se com o vazio, mas isso já era de se esperar: o vazio. O barulho dos automóveis e de tudo que ocupa/habita os espaços urbanos estavam cada vez mais distantes. Cada segundo podia aproximar-se da orquestração que o silêncio constitui. Em frangalhos, arrastava-se pelo chão, e fitava o que passou. Deu-se conta que todo o período que visualizava, os 90 anos lógicos - lacanianos, não passavam de meros objetos descartáveis. Talvez tenha passado toda uma vida vivenciando as delícias mundanas e materiais. E só. Finalmente talvez, mas apenas hipoteticamente, seu espírito estivesse se descolando de seu corpo. Não entendia direito o que sucedia. Sua ignorância e alienação eram tamanhas que não sabia o que passava. Arrastava-se pelo chão como um réptil. Pensava "do dia pra noite, eu envelheci". Lembrou-se de sua juventude e tudo que perdera, tudo que deu e tudo que não abdicou para chegar até ali, das não-evoluções sucessivas, das esbórnias e do sangue alheio derramado por toda a estrada. "Será que já estou morta?" Por mais que tivesse desejado sua Passagem durante todos aqueles anos, temia o que vinha depois. O juízo final deixava-a trêmula. Muito do peso se devia ao buraco da frustração causada pela distância entre o que não foi  e a imagem criada por seu Supereu daquilo que acha que deveria ser. Mas ela não via. Só sentia.  Após ininterruptas 24 horas da imersão em vir-a- ser o passado/presente/futuro, deu-se conta que o fardo que estava arrastando não era seu corpo... e sim sua alma.

Nenhum comentário: