terça-feira, 9 de março de 2010

Estradas, pontes, viadutos e outros abandonos sem dor



Esperei por você a vida toda.
Carreguei esse fardo dentro de meu peito.
Calada... uma vez que não tinha muito o que falar.

Mas... confesso que falei, me embreaguei pra ver se você chegava mais rápido.
Escutei rifles de guitarra, solos de piano e desmaiei sobre os timbres dos acordeons...
Esperando você chegar, minha amada.
Seja bem vinda, majesté.

Agora vem, pode me levar.
E me lave antes,
essa sua inimiga, chamada Vida, me deixou imunda.
Não quero mais retornar ao meu leito e nem aos meus ofícios.
E nem ao delas.

Nesse 1/4 de século procurei por você todos os dias.
Aos 20, me disseram que não adiantava procurar-te.
Você me encontraria onde eu estivesse.


Esperei por você a vida toda.
Pra te acompanhar nesse tango que toca ao fundo dos meus ouvidos desde que vim ao mundo.

Esperei por você, para te conceder essa dança,
para bebermos conhaque
e para que você, finalmente,
me consumasse sobre esse piano de cauda.

Carreguei esse fardo em meus ossos a noite toda...
E em cada noite em claro... te esperei.
Você não vinha.
Rolava em minha cama, me esfregava em lençóis
e sentia a vulgaridade do meu sexo.

Agora você está aqui.
Estamos nos flertando.
Nos admirando intensamente, creio.
Seus olhos são negros e carregados de almas...

"Pode entrar" - te digo, com um sorriso fúnebre.
Você continua fitando minha pele, meus dentes, meus olhos e minhas unhas.

Continuo: "Estava aqui... justamente cavando minha cova, nosso leito, não é, mon amour?"

Você permanece de pé.
Sua esqualidez minha bambeia as pernas.
Me fragiliza.

E como num sopro, você me dá as costas e parte, sozinha.
Me abandona nessa estrada, cujo nome nós, mortais, demos de Vida.

Majestade Soberana, você se aproximou e não pronunciou sequer uma palavra.

Alguns dias depois chegou uma música pelo rádio.
Canção de um nobre compositor que você já levou.
Sabia que era você me anunciando:

"Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que iras tomar

Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó

Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo

Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés. "

Ainda aguardo seu retorno.


S.

2 comentários:

PH disse...

me encanta

Anônimo disse...

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