terça-feira, 7 de dezembro de 2010

$ ◊ a

"é uma fantasia que se fixa à cadeia de significantes, acarretando a repetição em série. Essa, é, por execelência, inconsciente, e por isso, o Eu não tem a ela acesso. O que causa um absoluto sofrimento ao sujeito, e claro, também produz um gozo. Tal fantasia refere-se a um desejo primário incestuoso, interditado pela Cultura " (SANTIAGO, 2008).





segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Anna e seus labirintos

Já era tarde e apenas um feixe de luz atravessava o quarto.
Iluminava os olhos cor de 'folha seca' de Anna.
Daquele ângulo podia se ver o fundo dos olhos dela...
Fitados e estáticos miravam o teto.
A confusão daquele olhar era tamanha que ocasionava a impossibilidade de se saber, à penumbra, se nele havia tristeza, tédio ou ódio.

Já havia se passado mais de 1/4 de século,
já havia se passado mais de uma década de argumentos positivistas e iluministas,
já haviam se passado anos de textos mal escritos que mais revelam o quão evasiva era sua natureza humana.

Já havia se passado mais de 1/4 de século,
já havia se passado mais de uma década de amantes e amadas,
já haviam se passado anos de palavras mal-ditas e maledicências que mostravam o quão vazia era a sua condição humana.

Naquele dia havia lido as cartas que recebeu de seus inúmeros amantes... ficou rememorando o sentido daquelas palavras, daquelas juras de amor ou paixão que constituíam alguns ilustres e únicos momentos guardados com afeto e ternura nas gavetas de sua memória. Recordava sumariamente das que havia respondido, mas as sem-respostas atormentavam-na numa lúcida recordação.
Paradoxalmente recordava daquilo que não tinha palavras... a angústia da falta de símbolos era tamanha que rabiscou alguns remetentes, para ignorá-los e fazer com que não mais existissem em sua vida.

"Poderia tê-las respondido com um papel em branco dentro de um belo envelope" - pensou - " não poderia ter representação mais sincera para demonstrar o que sou." Riu. Riu para não chorar da própria tragédia, que ao longo daqueles anos havia se transfigurado em uma comédia negra.

Anna sentia uma espécie de medo às avessas... medo de ter medo, e não se permitia ter medo de nada. Àqueles que lhe interessavam oferecia seu acalanto sexual. Esse afago genital velava nada mais que sua incapacidade de relacionar com o sujeito de um desejo, de uma falta; mas também  o perverso discurso de objetalização e obsolescência planejada para com um outro corpo.  

Aos quatorze anos começou sua caçada implacável por corações e sonhos humanos. Um, dois, três,... dez, ..., cem (...). Parecia ter uma frieza calculista, e assim muitos a nomeiam até hoje. 
Àqueles que lhe ofereciam taças de vinho, ela compensava com beijos roxos. Àqueles que lhe ofereciam o silêncio, ela reverberava a paixão.

Foram muitas cartas sem resposta, muitos telefonemas perdidos, muitas flores murchas, muitas noites nubiciais, muitas juras de amor, muitas juras de casamentos. Anna não conseguia ter tempo pra'quilo tudo, afinal suas buscas não podiam cessar. 
E para amenizar o estrago em vidas alheias, pois sua má fama já se alastrava entre os bordéis, avisava, de antemão, às suas incursões amorosas que numa bela manhã de domingo, sairia para mais uma caçada e dificilmente retornaria àquele colchão.

Em escassos momentos os sonhos, os ofícios e o savoir faire dela se aglutinaram com os de outrem. Foram raros os instantes de retroalimentação simbiótica entre seu corpo e outra presença. 
E eram essas preciosidades que seus olhos recordavam sob aquele feixe de luz... 
Anna sentiu-se sozinha.
Uma lágrima escorreu, por fim.

Em meio àqueles devaneios, vislumbrou algumas probabilidades: não respondeu as cartas, pois os remetentes eram apenas aqueles corpos-presenças que lhe retroliamentavam (afinal eles não podiam ser tão importantes a ponto de obterem sua escrita). não respondeu as cartas, pois precisava sair para sua próxima caçada (antes que o outro corpo-presença resolvesse sair). 
não respondeu as cartas, pois não poderia perder aquele corpo-presença, e muito menos ter medo de perdê-lo.

No caminho esburacado e obscuro do medo de perder, Anna se perdeu.